O Instituto
Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão do Ministério da
Saúde, tem como missão apoiar este Ministério no desenvolvimento de ações
integradas para prevenção e controle do câncer. Entre elas, estão incluídas pesquisas
sobre os potenciais efeitos mutagênicos e carcinogênicos de substâncias e produtos
utilizados pela população, bem como as atividades de comunicação e mobilização
para seu controle, em parceria com outras instituições e representantes da sociedade.
O INCA, ao
longo dos últimos anos, tem apoiado e participado de diferentes movimentos e
ações de enfrentamento aos agrotóxicos, tais como a Campanha Permanente Contra
os Agrotóxicos e Pela Vida, o Fórum Estadual de Combate aos Impactos dos
Agrotóxicos do Estado do Rio de Janeiro, o Dossiê da Associação Brasileira de
Saúde Coletiva (Abrasco) “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na
saúde”, a Mesa de Controvérsias sobre Agrotóxicos do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – Consea e os documentários “O Veneno Está na Mesa 1 e
2”, de Silvio Tendler.
Além disso,
junto com outros setores do Ministério da Saúde, incluiu o tema “agrotóxicos”
no Plano de Ações Estratégicas de Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis
no Brasil (2011-2022). Em 2012, a Unidade Técnica de Exposição Ocupacional,
Ambiental e Câncer e a Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do
INCA organizaram o “I Seminário Agrotóxico e Câncer”, em parceria com a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Esse evento reuniu profissionais da área da saúde, pesquisadores, agricultores e
consumidores para debater os riscos à saúde humana decorrentes da exposição aos
agrotóxicos, particularmente sua relação com determinados tipos de câncer. E em
2013, em conjunto com a Fiocruz e a Abrasco, assinou uma nota alertando sobre
os perigos do mercado de agrotóxicos.
Nesta
perspectiva, o objetivo deste documento é demarcar o posicionamento do INCA
contra as atuais práticas de uso de agrotóxicos no Brasil e ressaltar seus
riscos à saúde, em especial nas causas do câncer. Dessa forma, espera-se
fortalecer iniciativas de regulação e controle destas substâncias, além de
incentivar alternativas agroecológicas aqui apontadas como solução ao modelo
agrícola dominante.
Os
agrotóxicos são produtos químicos sintéticos usados para matar insetos ou plantas
no ambiente rural e urbano. No Brasil, a venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões
para mais de US$7 bilhões entre 2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$
8,5 bilhões em 2011(1). Assim, já em 2009, alcançamos a indesejável posição de maior
consumidor mundial de agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas,
o que equivale a um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante (2).
É
importante destacar que a liberação do uso de sementes transgênicas no Brasil foi
uma das responsáveis por colocar o país no primeiro lugar do ranking de consumo
de agrotóxicos, uma vez que o cultivo dessas sementes geneticamente modificadas
exigem o uso de grandes quantidades destes produtos.
O modelo de
cultivo com o intensivo uso de agrotóxicos gera grandes malefícios, como
poluição ambiental e intoxicação de trabalhadores e da população em geral. As
intoxicações agudas por agrotóxicos são as mais conhecidas e afetam, principalmente,
as pessoas expostas em seu ambiente de trabalho (exposição ocupacional). São
caracterizadas por efeitos como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas,
vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte.
Já as intoxicações crônicas podem afetar toda a população, pois são decorrentes
da exposição múltipla aos agrotóxicos, isto é, da presença de resíduos de
agrotóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas. Os efeitos
adversos decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos podem aparecer muito
tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente. Dentre os
efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos
podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações,
neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e
câncer.
Os últimos
resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa
revelaram amostras com resíduos de agrotóxicos em quantidades acima do limite
máximo permitido e com a presença de substâncias químicas não autorizadas para
o alimento pesquisado. Além disso, também constataram a existência de
agrotóxicos em processo de banimento pela Anvisa ou que nunca tiveram registro
no Brasil.
Vale
ressaltar que a presença de resíduos de agrotóxicos não ocorre apenas em alimentos
in natura, mas também em muitos produtos alimentícios processados pela indústria,
como biscoitos, salgadinhos, pães, cereais matinais, lasanhas, pizzas e outros que
têm como ingredientes o trigo, o milho e a soja, por exemplo. Ainda podem estar
presentes nas carnes e leites de animais que se alimentam de ração com traços
de agrotóxicos, devido ao processo de bioacumulação. Portanto, a preocupação
com os agrotóxicos não pode significar a redução do consumo de frutas, legumes
e verduras, que são alimentos fundamentais em uma alimentação saudável e de
grande importância na prevenção do câncer. O foco essencial está no combate ao
uso dos agrotóxicos, que contamina todas as fontes de recursos vitais,
incluindo alimentos, solos, águas, leite materno e ar. Ademais, modos de
cultivo livres do uso de agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e
leguminosas, como os feijões, com maior potencial anticancerígeno.
Outras
questões merecem destaque devido ao grande impacto que representam.
Uma delas é
o fato do Brasil ainda realizar pulverizações aéreas de agrotóxicos, que ocasionam
dispersão destas substâncias pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo
populações. A outra é a isenção de impostos que o país continua a conceder à indústria
produtora de agrotóxicos, um grande incentivo ao seu fortalecimento, que vai na
contramão das medidas protetoras aqui recomendadas. E ainda, o fato de o Brasil
permitir o uso de agrotóxicos já proibidos em outros países.
Ressalta-se
que em março de 2015 a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC)
publicou a Monografia da IARC volume 112, na qual, após a avaliação da
carcinogenicidade de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos por uma equipe de
pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil, classificou o herbicida
glifosato e os inseticidas malationa e diazinona como prováveis agentes
carcinogênicos para humanos (Grupo 2A) e os inseticidas tetraclorvinfós e
parationa como possíveis agentes carcinogênicos para humanos (Grupo 2B).
Destaca-se que a malationa e a diazinona e o glifosato são autorizados e
amplamente usados no Brasil, como inseticidas em campanhas de saúde pública
para o controle de vetores e na agricultura, respectivamente.
Além dos
efeitos tóxicos evidentes descritos na literatura científica nacional e internacional,
as ações para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos têm como base o Direito
Humano à Alimentação Adequada – DHAA (previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988), a Política Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Decreto nº7.272, de 25/08/2010), a Política Nacional
de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta - PNSIPCF (Portaria nº
2.866 de 02/12/2011), a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
(Portaria nº 1.823, de 23/08/2012) e a Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica - PNAPO (Decreto nº 7.794, de 20/08/2012).
Considerando
o atual cenário brasileiro, os estudos científicos desenvolvidos até o presente
momento e os marcos políticos existentes para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos,
o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) recomenda o
uso do Princípio da Precaução e o estabelecimento de ações que visem à redução
progressiva e sustentada do uso de agrotóxicos, como previsto no Programa Nacional
para Redução do uso de Agrotóxicos (Pronara).
Em
substituição ao modelo dominante, o INCA apoia a produção de base agroecológica
em acordo com a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Este
modelo otimiza a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da
biodiversidade e dos demais recursos naturais essenciais à vida. Além de ser
uma alternativa para a produção de alimentos livres de agrotóxicos, tem como base
o equilíbrio ecológico, a eficiência econômica e a justiça social, fortalecendo
agricultores e protegendo o meio ambiente e a sociedade.
A
elaboração e a divulgação deste documento têm como objetivo contribuir para o
papel do INCA de produzir e disseminar conhecimento que auxilie na redução da incidência
e mortalidade por câncer no Brasil.
DOCUMENTO ORIGINAL: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicacao/posicionamento_do_inca_sobre_os_agrotoxicos_06_abr_15.pdf
NOTAS
(1) Sindicato Nacional da Indústria de
Produtos para defesa agrícola – SINDAG, 2011
(2) Londres, 2011